sábado, 19 de maio de 2012

# 99

"O último português com emprego" (Crónica matinal de Ricardo Araújo Pereira na Rádio Comercial; ouvir).

Ironizando com a afirmação de Passos Coelho de que estar desempregado pode ser uma "oportunidade para mudar de vida", Ricardo Araújo Pereira faz uma antevisão do mercado de trabalho em Portugal em Maio de 2013, quando resta apenas um indivíduo empregado. Nesse processo, Ricardo coloca-se numa aporia insolúvel: por um lado, tem de desmentir satiricamente Passos Coelho, o que também significa que o emprego tem de ser apresentado de forma positiva; por outro, a caricatura do último português empregado não pode deixar de ser também a caricatura da vida miserável de todos os empregados e do mal-estar que secretamente todos sentem. Por isso também é dito: "Toda a gente que eu conheço já conseguiu desempregar-se e eu continuo a ir para o trabalho todas as manhãs armado em parvo". A ambiguidade atravessa assim toda a crónica, hesitando entre o elogio implícito ao "trabalho abstracto" e o seu reconhecimento como algo desprezível e sem sentido. Como não ver na irónica definição de emprego dada essa mesma ambiguidade: "Ora bem como é que eu hei-de explicar: isto consiste em trabalhar, ou seja, desenvolver... vamos lá... labuta a troco de uma determinada verba". Se o desemprego não é uma "oportunidade para mudar de vida", o emprego também não o é.

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